Causas para o duelo judicial, por Talhoffer

Hans Talhoffer (1410/15 — 1482+) foi, entre outras cousas, mestre da arte do combate para nobres que se viram na obriga de se bater em duelo.

«Aqui o Mestre Hans Talhoffer» — MS_Thott.290.2º_101vNão temos certeza do seu vínculo com a tradição de Liechtenauer. Há algumas lições semelhantes, mas muitas discordantes, e está ausente o que carateriza aos discípulos do Alto Mestre: a Zettel comentada. Por contra, Talhoffer escreveu a sua própria Zettel, com alguns versos semelhantes e muitos diferentes. Isto pudera ser indicativo de plágio ou, mais provavelmente, que ambos mestres beberam duma tradição comum.

Os tratados de Talhoffer são geralmente muito gráficos, com pouco texto, e têm o propósito explícito de serem referências técnicas para os seus estudantes, mas também é evidente que pretendem reforçar e assentar a necessidade do seu ofício. As partes textuais, porém, oferecem uma interessantíssima visão a respeito do duelo, e de como alguém que ganhava a vida com ele transmitia essa cultura ao seu estudantado.

Podes consultar mais fragmentos traduzidos da sua obra neste blogue, sob o tag Talhoffer.

«Velaqui as sete causas polas que um homem tem o dever de combater:

  • A primeira é o assassínio
  • A segunda é a traição
  • A terça é a heresia
  • A quarta é promover deslealdade contra o seu senhor
  • A quinta o sequestro
  • A sexta é o perjúrio
  • A sétima, abusar de mulher ou donzela

» E esses são os motivos pelos que um homem desafia outro a um duelo. Esse homem deve mostrar-se diante dum tribunal e apresentar o seu caso pela sua própria palavra. Deve este homem nomear a quem acusa pelo nome de batismo e apelido. Em chegado o acusado, deve o acusador repetir três vezes as acusações diante de três juízes — salvo se algum deles não aparece e não responde por si. Então deve o acusador mostrar que a sua necessidade é justa e correta. O acusado deve entender isto tudo tão bem como o acusador, e isto é importante pois vai em benefício da lei da terra. E apenas após ouvir as testemunhas deve ser emitido veredito.

» Então, quem fosse acusado deve mostrar-se diante dos três juízes para responder e defender. Deve mostrar-se livre de culpa e repetir que as acusações não são certas e que está disposto a combater por essa verdade, como permite e requer a lei da terra que pisa. Será então decretado o seu tempo para treinar, e este será de seis semanas e quatro dias. Passado esse período, deverão ambos combater, seguindo o costume e direito da terra. Ambos os contendentes devem livremente jurar retornar ante o tribunal e combater um com o outro, e assim cada um terá perto de seis semanas de treino em paz, e terão proibido romper essa paz até que chegue o momento que foi decretado pelo tribunal.

» […] É assim que dous homens vão ao duelo — salvo se tiverem menos de cinco graus de parentesco entre si: neste caso não poderão resolver através do duelo, e isto deve ser jurado por sete homens das ramas maternas ou paternas da família de qualquer um deles […]

» E se um homem desafiado for tolheito ou tivesse má vista, será justo por parte dos juízes decretar que a pessoa completa seja posta ao nível da outra, e este decreto deve ser feito assim ambos os homens jurem, para assim o homem tolheito ou com má vista ter oportunidade de vencer no duelo igual que o outro.

» E quando as seis semanas tenham passado e chegue o dia, então ambos devem apresentar-se diante dos juízes […] e nesse momento o acusador deve jurar que tem causa para combater contra o outro, e que considera o outro culpável. E assim os juízes marcarão uma arena e uma guarda para o duelo e um veredito, e darão conselhos seguindo os costumes da terra: que o homem errado será derrotado segundo a honra demanda, e que isto será prova de que o outro falou com verdade e justiça.

» Quando os combatentes se chegarem à arena, o juiz olhará para ambos e lembrará que está proibido tentar eludir o duelo nem por saúde nem por riqueza, e que ninguém poderá intervir na luta nem ajudar os combatentes […]

» E se qualquer combatente saísse da arena antes de o duelo chegar ao seu mortal fim, seja porque foi empurrado fora pelo seu oponente ou porque tenta fugir ou pelo motivo que seja, ou mesmo se admite que o outro homem tinha razão na causa do combate — então esse homem será julgado derrotado, e correspondentemente executado e matado. Porque foi conquistado por outro homem em combate, e foi feita justiça seguindo a lei e costume da terra».

— Hans Talhoffer, 1459, MS Thott.290.2º.
Extraído dos antetextos do livro Há Uma Única Arte da Espada.

 

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A THOUGHT ON «NATIONAL» FENCING STYLES

I would like to put forth an idea to the HEMA community: let’s call things by their proper names.

The whole idea of «nation» is an XIX century construction, and I am trying to argue against applying modern tags («german», «italian», «spanish», etc) to historic entities such as fencing.

Examples that I know well:

  • The Liechtenauer tradition (let’s call it Kunst des Fechtens, because it sounds cool and marketable) is not «german» (many of its masters belong properly to modern Poland, among other places), nor Fiore was «italian». Both of them were, however, clearly products of the prosperous Holy Roman Empire, so I always try to explain that: different schools developed within a context of economic wealth and constant conflict.
  • La Verdadera Destreza might have flowered by the efforts of Pacheco as master of arms in the court of Philip IV. But that court, despite what XIX-century historiography might have taught, was not «spanish». Neither did modern Spain exist back then –it was but a cluster of kingdoms owned by sucessive crowns– nor did the house of Habsburg have a particularly spanish leaning, for it managed an empire that covered most of Europe. Furthermore, both Destreza has undoubtedly some italian inspirations and was developed outside of the modern spanish territory (there is a whole bunch of Portuguese Destreza –see www.ageaeditora.com for some samples– and Thibault might as well be called «Dutch Destreza»).

Truth is: the development of fencing theories into fencing treatises is a by-product of wealth and prosperity. In times when gold and power were massed in different parts of what we call Europe, people found resources to put down their fencing knowledge and rejoice in them. Those territories had mutable names that began to crystalise from the XVI century onwards, generally speaking, through a slow process that would have its heydays at the late XVIII (with the French Revolution and the idea of nation=state) and the XIX centuries (with romanticism, the development of modern nationalism and the idea of nation=people+land+language and culture).

These two ideas competed and still do –examples: as late as 1830 modern Spain did not exist, but was instead still a cluster of different kingdoms whose respective pre-national identities echo loudly in modern nationalist movements; the United Kingdom is still nowadays and very clearly a cluster of different nations.

Furthermore, martial arts are a profoundly individual experience, in that everyone that practices (and teaches them) is performing an interpretation on what they were taught. Masters who developed a particular style might have worked within a specific martial culture or within a group (there is the Liechtenauer Society), but these still had to compete with other traditions that coexisted in the same space and time (famed in the popular imagination, and probably false but still worthwhile for this example, is the clash between Quevedo, proponent of the Esgrima Común, and Pacheco).

HEMA in general would benefit from calling the different fencing styles or schools by their specific names («Verdadeira Destreza», «Kunst des Fechtens», «i.33 system») and where not, by their main authors («Saviolo», «Fiore», etc). It is a service to our community in historic rigour and terminological precission.

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