Este exercício, que chamo de «Regra»,1 é similar às katas das artes marciais orientais: uma sequência de movimentos pensada para trabalhar a memória muscular e a forma técnica.
A «Regra 1 do Zufechten» inclui os movimentos mais básicos no jogo da espada. Atende especificamente ao Zufechten, deixando para posteriores formas a técnica própria do Krieg.
É uma sequência reversível (quer dizer: uma vez completada desde o Vom Tag direito, ao virar no sítio é possível fazer o caminho de volta desde o Vom Tag esquerdo).
As escolhas táticas nela apresentadas não são necessariamente ótimas. Trata-se de movimentos básicos pensados para quem está a se iniciar no jogo da espada longa, não de técnica canónica própria do KdF. Tampouco se trata duma «frase de armas».2 É possível conceptualizar partes da Regra dessa maneira, mas outras resultam muito forçadas. Trata-se, então, apenas duma cadeia de movimentos que já devem resultar conhecidos pelo seu uso nas aulas regulares e que tem como objetivo trabalhar a forma e a memória muscular.
Devo assinalar que esta regra é invenção moderna, para ser utilizada nas aulas da Arte do Combate (ou livremente por quem quiser) como recurso pedagógico e de treino em solitário. Não foi tomada de tratado histórico nenhum, toda vez que não existem estas regras ou katas na tradição documental da Kunst des Fechtens.3
Ainda bem, as regras detalhadas historicamente para outras armas, épocas e tradições esgrimísticas costumavam ser mais simples, com menos movimentos, e o currículo conformava-se de muitas destas (ver as 32 Regras detalhadas por Figueiredo no Memorial da Prattica do Montante, por exemplo), polo que o meu uso do termo não é estritamente coerente como o uso histórico. Mas o currículo que utilizo na Arte do Combate está focado na Zettel de Johannes Liechtenauer e tem uma aproximação pedagógica mais sistemática, polo que Regras como esta servem, para os meus propósitos, como uma ferramenta de apoio ou resumo do trabalho feito em aulas anteriores.
Como nota final a esta digressão sobre a história das Regras: um dos documentos mais antigos da tradição esgrimística ibérica é o Las nueve reglas de la espada de dos manos, do primeiro terço do S.XVI. É um documento muito interessante e mostra que existia uma tradição de luta específica com o seu próprio sistema pedagógico e estilístico. Porém, sendo o único documento do sistema resulta muito difícil de decifrar. Em primeira aproximação, não parece compatível com a Kunst des Fechtens, mas será necessário um estudo maior dele no futuro.
Descrição da regra
Recomendo ver o vídeo já ligado acima após ler estas indicações. A gravação é algo velha e imperfeita, e hoje tenho feitas algumas pequenas mudanças. Devo gravar nalgum momento uma versão mais atual, mas essa dá para ver a ideia geral.
Opcionalmente, no início:
- Desembainhar
- Saúdo
Desde Vom Tag no lado dominante (assumirei uma pessoa dextra no texto):
- Oberhau direito [longo] + passo recto
- Zucken4 com Zornhau5 esquerdo + passo trepidante
- Unterstich6 direito, de punho7, a pé firme.8
- Durchwechseln e Unterstich desde Pflug esquerdo + passo recto
- Oberhau [defensivo] na direita + passo estranho
- Oberhau [defensivo] na esquerda + passo estranho
- Unterhau esquerdo a Ochs direito + passo de roda
- Unterhau direito a Ochs esquerdo + passo de roda
- Oberhstich9 esquerdo, de punho, a pé firme.10
- Durchwechseln e Oberhstich desde Ochs direito + passo recto
Observações
Desde o Ochs direito final é possível girar no sítio (180º) e ficar assim em Vom Tag esquerdo, desde o que podemos fazer a Regra com lateralidade invertida.
É possível dividir a regra em duas partes bem definidas para facilitar a aprendizagem: o jogo baixo compreende os movimentos 1 – 4 e o jogo alto os 7 – 10, ligados ambos pela sequência dos dous Oberhauen defensivos. O jogo alto é mais complexo a nível biomecânico.
A aprendizagem (e o seu uso em exibições públicas) beneficia-se de fazer movimentos amplos. A medida que a Regra vai sendo interiorizada, estes devem virar mais fechados e compactos, seguindo as premissas do caminho mais curto.
Uma vez dominada a Regra, é possível trabalhar sobre ela de forma livre, introduzindo variações contra as reacções de um oponente imaginário: mudar o Zucken por Abnehmen ou por Durchwechseln ou por Abschneiden; ou fazer o próprio nos Unterhauen. O jogo de pés deve ser adaptado em consequência, e é possível que certas mudanças requeiram outros movimentos a seguir.
A Regra é adaptável para outras armas — por exemplo o Messer, lança ou mesmo mão vazia. É um bom exercício para quem já a domina na espada longa.
A Regra a mão vazia é uma boa forma de dedicar uns minutos todos os dias à prática da Kunst des Fechtens. Pode ser praticada na casa, no corredor, na sala — até no lugar de trabalho, no descanso. Não requer demasiado espaço e nenhum material específico.
Notas
- O termo «regra» está documentado na tradição galego-portuguesa. Por exemplo, no Oplosophia, Manuscrito da Espada, Lições de Marte ou nas Lições da Espada Preta (livros todos publicados e disponíveis através da AGEA Editora). O exemplo mais famoso seriam as Regras do Montante de Godinho e Figueiredo (também outros autores escreveram regras para esta arma).
- Troca de ações e contra-ações entre duas pessoas.
- Com alguma possível exceção como o «floreio» do MS. 3227a.
- Ou Umbschlagen.
- Utilizo Zornhau em sentido descritivo, aqui, como Oberhau bem estruturado que acaba na Hengen inferior. Não é o uso canónico.
- Estocada desde Pflug
- Técnicamente isto seria Zornort, se consideramos a acção anterior Zornhau.
- Poderia, nesta e na seguinte estocada de punho desde cima, dar-se com compasso reto. Dependerá de como visualizemos (ou esteja colocada) a oponente, e também de se queremos incluir o treino dos compassos na regra.
- Estocada desde Ochs
- Ou de compasso.