Desde que descobri a recomendação de Hans Talhoffer de começar o dia com pão de alfarroba e mel, venho experimentando a cozer bolos com esta fórmula para levar aos eventos de artes marciais históricas a que atendo.
Trata-se duma comida calórica, boa para repor energia ou para compensar uma queda de açúcar. O mel adoça bastante a massa, e a alfarroba dá uma cor interessante, uma textura mais densa e deixa um sabor de fundo que lembra bastante o chocolate, sem chegar a ser.
No último (o Torre de Hércules do 2022) o pão teve enorme sucesso, e várias pessoas pediram-me a receita, de modo que fique este artigo como referência. Hei atualizar no futuro se descobrir mais informação.
Criação da receita
Talhoffer fala de que a primeira comida do dia deve ser santj Johans brott. No alemão moderno, Johanisbrotbaum é a alfarrobeira, também chamada na nossa língua «Pão-de-São-João». Este nome vem do Novo Testamento, Mateus 3:4, onde João Batista subsiste com alfarrobas e mel.
Não fica claro se o mel é para deitar por cima do pão e comer, ou se vai incluído na cozedura do mesmo. Eu suspeito que a primeira ideia é a boa, porque mantém as qualidades do mel (que degrada ao cozer) e porque é um [pequeno-]almoço mais natural… Mas, para levar por fora da casa e dar de comer a gente numa instalação desportiva, achei mais eficiente (e menos peganhento) incluir o pão na massa.
Clarificado qual era o objetivo, procurei nas redes por «carob bread» e variantes, sem muito sucesso nem para receitas modernas, nem para históricas. Depois procurei por variantes de «johans brott», e aí dei com este artigo da Fechtfabrik que explora este mesmo tema para chegar às mesmas conclusões que eu: não existem receitas medievais de pão de alfarroba. Porém, nele sinalam que em partes da península ibérica ainda se cozinha este tipo de pães. Ao reparar nisto procurei por «pão de alfarroba» e «pan de algarroba» e, efectivamente, apareceram várias dúzias de receitas atuais. Até em Nestlé.
Eliminei destas fórmulas todos os ingredientes que não existiriam na altura para Talhoffer. O resultado foi uma receita muito singela, mas que requer uns poucos comentários:
Receita do Pão de Talhoffer
Ingredientes. É tudo aproximado e podes variar as proporções dependendo do resultado que procures:
- 2 kg de farinha de trigo
- 750 g de farinha de alfarroba1
- 16 g de fermento de padeiro
- 9 g de sal
- 1 litro de mel
- 150 ml de água morna*
* A água seguramente será mais, mas é melhor acrescentar depois se a massa fica muito dura.
Método:
- Na água morna, ativar o fermento de padeiro e somar parte do mel, para alimentá-lo. Deixar 5 minutos até que faça um pouco de espuma (mostra de que está vivo).
- Por enquanto, misturar a farinha de trigo e a de alfarroba e, uma vez o fermento esteja ativo, acrescentar a farinha ao líquido. Somar igualmente o mel, o sal, remexer e adicionar água se for preciso para obter a textura desejada.2
- Uma vez bem misturado tudo, deixa descansar um par de horas. Vai levedar um pouco, mas não vai dobrar o tamanho, nem nada que se lhe assemelhe. Novamente, a alfarroba interfere com a farinha de trigo.
- Pré-aquecer o forno a 180 °C durante 10 minutos.
- Forrar umas formas com papel de forno (o bolo é muito peganhento) e emborcar a massa nelas. Deixa margem, pois vai crescer no forno.
- Eu espolvilho por acima um pouco de farinha de trigo porque gosto do contraste do branco dela com o escuro da massa (ver foto), mas obviamente não é necessário.
- Cozer durante meia hora, ou até que espetando uma faca ou pauzinho no meio, saia limpo.
- Deixar arrefecer fora do forno, tirar das formas e comer.
Dura mesmo 4 dias ao ar livre, mesmo a temperaturas >30 graus, como verificamos no encontro Torre de Hércules. Com melhor conservação (no inverno, na casa, cobrindo para não secar) consegui fazer durar uma semana inteira, e continuava comestível.