Crónica: «Retorno a la Espada 2025»

Vai aí uma semana do «Retorno a la Espada» que a gente da Palestra Pedro Monte, dirigida por Pedro Velasco, organiza — e já passou a ressaca pós-evento e é hora de recapitular.

Este ano foi um encontro bastante íntimo, a reunir instrutores e salas com uma perspetiva comum das HEMA. Os instrutores foram Iacopo Zanini, Pedro Velasco e Esko Ronimus e os workshops tiveram, ademais, um fio condutor muito interessante: a evolução da biomecânica nas escolas itálicas de esgrima ao longo do S.XV.

Começou o encontro com umas conferências contextualizantes na sexta-feira, por cada um dos instrutores. Depois, ao longo da manhã e tarde do sábado e manhã do domingo, apresentaram-nos em forma prática a sua compreensão de como Fiore Furlano, Pietro Monte e Philippo Vadi compreendiam técnicas comparáveis.

O interessante do assunto foi o foco colocado na evolução das espadas nesse período: das armas de menos de 120 cm de Fiore, às «espadas muito longas» de Monte (~140cm), até os spadoncinos de Vadi (já chegando quase ao tamanho do montante). Ao analisar a forma em que autores relativamente próximos no espaço e no tempo as utilizaram, pudemos ver como as mudanças de peso e tamanho em cada ferramenta obrigam a adaptar postura, movimento e manuseio.

Obviamente as jornadas completaram-se com abundância de assaltos livres. Não sempre é fácil encontrar espaços nos que fazer uma esgrima técnica e segura como a que trabalha a gente da Palestra Pedro Monte, e por isso extenuamos as possibilidades de o fazer aqui.

Como o encontro decorreu no próprio espaço da Palestra, em todo momento tivemos todo o tipo de brinquedos disponíveis. Além disto, notava-se a gente da escola descontraída e confortável — como se estiverem na sua própria casa, que era em efeito o que acontecia.

Este ambiente de tranquilidade, comunidade e familiaridade é algo que eu pessoalmente valoro muitíssimo de partilhar tempo com os nossos camaradas de Granada. O seu projeto técnico é muito interessante — mas o projeto humano que o sustenta é um autêntico fito no mundo das HEMA. Esta equipa não tem medo de se envolver socialmente e construir comunidade — e isto não tem preço.

Venham muitos mais anos, companheiros.

 

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Crónica: «Tertúlia Galego-Portuguesa 2025»

Como está sendo já habitual, na fim de semana do 5-6 de abril decorreu a Tertúlia Galego/Portuguesa 2025.

Esta terceira edição aconteceu em Redondela, e atenderam quase 100 pessoas, de 11 clubes diferentes, de ambos lados do Pai Minho para dous dias de convívio e partilha de impressões e conhecimentos teóricos e práticos, e muitos assaltos.

Lá estivemos 100Tolos, Academia de Esgrima Histórica, Asociación Ourensá de Esgrima Antiga / Academia da Espada / Armizzare (AOUREA),1 Armis Nostrum, Arte do Combate, Clube Escola de Esgrima Hungaresa de Pontevedra (CEHEPo), Clube de Esgrima Histórica de Paderme (CEPA), Espada Negra, Falcata, Grupo de Estudos Medievais e Artes de Combate (GEMAC) e, obviamente, a Sala Viguesa de Esgrima Antiga (SVEA), que foi a sala anfitriã do encontro este ano.

As aulas foram selecionadas entre as achegadas polos clubes participantes, com o critério de visibilizar gente e/ou grupos que não tiveram protagonismo em anos anteriores, e foram:

  • Timoteo Soares (GEMAC): Espada e broquel – Introdução e aplicabilidade às fintas.
  • Pablo Cachafeiro (AOUREA / ARMIZARE): Espada longa – Entendendo assimetrias em Fiore
  • Orlando Silva (ARMIS NOSTRUM): Espada longa com armadura – Sistema Armizzare
  • Filipe Martíns (AEH): Navalha, adaga, punhal – das bodegas às trincheiras
  • Diego Conde (AOUREA / ADE): Roupeira – Introdução à Verdadeira Destreza
  • Vasco Alves (AEH): Escudos de gota / lágrima / cometa em formação
  • Rui Ferreira (ESPADA NEGRA): Espadim – a Glizade: tecnica e aplicações
  • José Rojo (CEPA): Espada longa – Joachim Mëyer
  • Adrián Cubela (CEHEPO): Arbitragem para a Liga Galega de HEMA
  • Duarte Puga (100TOLOS): Sabre – Merelo e Frias

Às aulas somaram-se muitas horas de assaltos livres com todo tipo de armas, e mais uma variante de jogos de armas organizados que deixou uma cheia de braços coloridos com os reconhecimentos entregues às pessoas com quem mais gostamos de partilhar tempo e cruzar ferros.

A nivel pessoal, a maior satisfação para mim foi ver reunidos clubes de todo o nosso espaço atlântico, mesmo tendo histórias e perspetivas muito diferentes.

Como está combinado já organizar o encontro do ano 2026 na cidade de Porto, por gentileza da GEMAC, e também o do 2027 em Ourense, nas mãos da AOUREA, podemos com isto dizer que o formato da Tertúlia Galego/Portuguesa está consolidado, e tem percurso para o futuro.

 

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Proposta: Encontros Antiendogámicos

O passado 30 de novembro fizemos um encontro nas instalações da AdC de Compostela aberto a vários clubes da comunidade galega para fazer, exclusivamente, assaltos livres. Chamamo-lo «Encontro Antiendogámico», nome roubado da imaginação desbordante de Diego Conde.

Foi breve (uma manhã dum sábado), levou bastante pouco trabalho e resultou satisfatório, e em consequência vou repetir o modelo.

Penso que é importante que os da AdC não sejam os únicos encontros deste tipo, e penso também que cada grupo deve dar-lhes o seu caráter particular.

A minha ideia com este texto é animar-vos ao resto das salas galegas para fazer os vossos prórios encontros antiendogámicos de assaltos livres, e transformar assim «antiendogámico» de nome em adjectivo que qualifique o vosso encontro específico.

Conceito

Um encontro antiendogámico, como eu o defino, consiste em proporcionar uma data e um espaço para:

  • Encontrar gente doutras salas.
  • Experimentar.1
  • Comparar notas, técnica, ideias, equipamento e demais.

Interessa-me fazer este tipo de encontros cada 3 ou 4 meses. Portanto deve requerer trabalho mínimo: solicitar o espaço, comunicar com os clubes, definir o tipo de esgrima que quero para o encontro, e vigilá-la o próprio dia. Mais nada (e não é pouco).

Então:

  • Consiste exclusivamente em assaltos livres e atividade improvisada: nem aulas, nem competição séria,2 nem atividade ordenada.
  • O público gere-se a si próprio. Não se proporciona seguro. Cada quem deve trazer a sua água, fruta ou o que for. Não se organiza uma comida depois.
  • É um evento por convite, não aberto. A ideia não é excluir, mas sim ajustar o tipo de esgrima que vai acontecer no teu evento aos teus interesses.

Estes pontos simplificam enormemente a comunicação e a gestão. Ao não ter programa, não há que organizar um horário de atividades, instrutores, etc. Ao não ter que gerir inscrições nem número de pessoas, não há que se preocupar por refeições nem reservas para jantares, etc.

Ao ser só por convite, embora não tenhas que fazer um programa, estás a seleccionar o tipo de clubes participantes. Isso permite-te modular o tipo de esgrima que queres ver no encontro.

E ao convidar por clube, e não individualmente, minimiza-se o número de interlocutores para organizar o encontro.

Recomendações

Define o tipo de esgrima que queres ver. Eu aposto por jogo livre com proteções minimalistas, trabalho técnico e muito controlo. Outro clube pode querer assaltos atléticos e proteções pesadas. Outro pode achar interessante fazer uma esgrima de exibição de regras/katas …sei lá: estou a inventar sobre a marcha. O tema é que não todos têm por quê ser iguais, mas é importante comunicares com clareza a esgrima que queres ver no encontro, para a gente saber o que aguardar. (Eu não comuniquei bem isto na edição primeira, por exemplo).

Convida gente (grupos, clubes, escolas) que faça a esgrima que queres ver, sobre todo nas primeiras edições. Ainda que isto parece que vai em contra da antiendogámia, serve para estabelecer a cultura do teu encontro. Quando tenhas um grupo habitual de clubes mais ou menos na mesma sintonia, podes acrescentar outros. Desta forma abres cada vez mais o evento, mas manténs o espírito.

Não tenhas medo em mudar de rumo. Após fazer uma ou várias edições podes encontrar cousas que queres mudar, ou fazer melhor: muda-as. Todo está sujeito a mudança. Do que se trata é de desenvolver a atividade da forma em que aches proveitosa, e de proporcionar espaços diversos para a nossa comunidade se encontrar.

A variedade é proveitosa

Estas são as minhas recomendações, viradas para simplificar a minha vida no máximo possível, e assim repetir este encontro com regularidade. Como imagino que também sodes pessoas ocupadas, imagino também que vos resultarám úteis.

Se tendes dúvidas a respeito da viabilidade dum encontro organizado sem, por exemplo, levar uma inscrição das pessoas participantes… Vinde a um dos nossos, e comprovai empiricamente que funciona. Tendemos sempre a criar mais burocracia da necessária.

Porém, cada quem é livre de fazer o que lhe preste na sua casa, obviamente. Longe de mim impor o meu modelo a toda a comunidade.

Em particular, pareceria-me interessante para outros clubes ou salas organizarem encontros com caraterísticas diferenciadas. Por exemplo, se os encontros da Arte do Combate favorecem uma esgrima com proteções mínimas, seria ótimo se outro clube organizasse um encontro mais virado para o uso de proteções pesadas.

Também seria de proveito, penso, coordenar-nos. A minha vontade é fazer um encontro deste tipo cada 3 – 4 meses. O ideal é que outros encontros aconteçam no meio, e não nos contra programar.

 

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Campo Lexical da Arte do Combate – Nova Versão

Como este curso estamos a diversificar aulas com a ajuda de Cabaleiro Errante, é importante estabelecer um vocabulário prático comum. (Temos outros documentos para o vocabulário técnico, como o nosso breviário, que merecem também algum tipo de revisão futura).

Descarregar isto em PDF:

 

Lógica do assunto

O propósito deste Campo Lexical é ajudarmos à normalização do vocabulário que utilizamos para referir partes do corpo, atividades frequentes, equipamento e partes dos simuladores («armas»). Uma versão futura acrescentará nomenclatura para as partes do arnês, mas preciso aguardar à publicação dalgums trabalhos académicos, de modo que não está próxima.

Este documento não pretende ser uma autoridade definitiva, mas foi contrastado com um par de professores e utentes de português, para estabelecer uma relativa compatibilidade com o léxico utilizado ao sul da Galiza.

Porém, o propósito não é tampouco criar um guia de dicionário de poruguês desportivo, senão fixar os termos que nós utilizamos, sob os seguintes critérios:

  • destaque da terminologia histórica, onde estiver documentada (partes das armas)
  • conservação dalguma terminologia patrimonial galega, em uso nas nossas aulas («cavalos», «caluga», etc)
  • destaque das divergências com o uso transminhoto, onde as houver (o uso de «camisola», por exemplo)
  • uma cirúrgica e seletiva exclusão das variantes convergentes com o castelhano («pomo» é o exemplo mais limpo, pois existe na nossa documentação barroca a variedade «maçã»).

Este último ponto tem uma lógica própria: o estudantado da Arte do Combate é perfeitamente fluente em língua espanhola, mas não na galega (local ou internacional). É assim que de forma deliberada não coloco como alternativas termos como «nuca» ou «pomo», comuns à Galiza, Portugal e a Espanha, pois não vão ter dificuldade em compreendê-los na boca dalguém do sul. Se aparecerem no documento, facilitaria-se a escolha confortável da variante mais próxima do castelhano.

Finalmente — uma das fontes utilizadas para este léxico é o artigo que publiquei há uns anos no website da AGEA Editora: «Alguns nomes históricos em galego/português para as partes da espada». Está referenciado no documento, mas fica aqui o link para maior comodidade. O artigo tem à sua vez uma referência exaustiva das origens dos termos aí recolhidos.

 

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«Cauda do meu elmo de bisso ourivi…»

«Hoje aprendi…»

…Que o bisso, ou «seda do mar», é um tecido antigo semelhante a um linho muito fino ou seda fabricado com as barbas dos moluscos, e que se for tratado devidamente com especiarias e suco de limão, brilha dourado ao sol.

Segundo Álvaro Cunqueiro, os cavaleiros galegos faziam as penas dos bascinetes dele:

O freixo está teste prá lança lavrar,
e o palafrém1 teixo venho de ferrar!

» Se ao maio vás2,
farás-me chorar…»

Cauda do meu elmo de bisso ouriví3:
o ar do maio nasceu para ti!

» Se ao maio vás,
farás-me chorar…»

Senhores farfãs4 da boa ventura!
Ameaça-nos Deus na cavalgadura!

» Se ao maio vás,
farás-me chorar!
O linho alvar5 não espadarei6,
de fio de sangue panos tecerei!»

— Cunqueiro,
em Dona do Corpo Delgado.

Referências

 

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Crónica: «Tertúlia Galego-Portuguesa 2023»

Nesta passada fim de semana (e estamos a ter umas semanas ativas) tivemos o prazer de hospedar a Tertúlia Galego-Portuguesa de Artes Marciais Históricas — um encontro entre grupos atlânticos que vem já desde 2015.

Participaram a Academia de Esgrima Histórica (Lisboa), a Academia da Espada (Corunha) e a Arte do Combate (Compostela), juntando um total de 25 – 30 pessoas para dous dias de convívio e partilha de impressões e conhecimentos teóricos e práticos.

Começamos o sábado com uma aula de montante segundo Godinho ministrada por Xosé Castro…

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…a que seguiu uma introdução à spada a due mani de Marozzo por Eduardo Varela…

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…e outra à luta corpo a corpo — abrazzare — de Fiore Furlano, dirigida por Filipe Martins.

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Finalizamos a jornada visitando as duplas espadas (por Xosé)…

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…e a rodela (por Edu) de Godinho, com assaltos livres a continuação.

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Na tardinha e noite fomos fazer uma ceia de convívio, e dar um passeio por alguns dos pontos medievais, barrocos e mais contemporâneos da cidade.

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O domingo de manhã ocupou-se com uma introdução aos aspetos mais caraterísticos da espada longa de Liechtenauer, em interpretação de Diniz Cabreira…

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…e finalizou com o exame de instrutor de João Oliveira, que com precisão e eficiência mostrou os fundamentos da luta com adaga e sem ela segundo Fiore Furlano, bem como outros aspetos mais gerais da arte do mesmo. Parabéns!

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Temos que agradecer ao Nós Diário a cobertura mediática, e a Larpeiría polo suporte gastronómico na forma de sandes de jamom assado.

 

Não pudo faltar o Pão de Talhoffer, que sabemos imprescindível para qualquer treino respeitoso com as palavras dos velhos mestres.

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Em conjunto, achamos a experiência enormemente produtiva e satisfatória, e já ficamos combinados para arranjar o seguinte encontro.

Venham mais!

 

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Crónica: «Retorno a la Espada 2023»

A fim de semana passada, uma pequeninha delegação da AdC tivemos o privilégio de nos chegar até o #retornoalaespada2023 — o encontro de esgrima histórica organizado pola Sala de armas “Pedro del Monte”.

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Temos, em primeiro lugar, que agradecer a enorme generosidade e trabalho que fizeram. O encontro esteve muito bem organizado — cumprindo os tempos previstos, com informação em todo momento a respeito dos lugares e atividades, requerimentos e normas, etc. Mas a organização foi além da profissionalidade, abrindo as portas da que, em verdade, é a sua casa, para morarmos nela durante quatro dias. As comidas, o ócio, os risos e a companhia de Golfa e Monte não têm preço.

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Tampouco tem preço a atmosfera criada e promovida: um espaço inclusivo, explicitamente discriminador das atitudes discriminadoras, gentil e ao tempo informal. Uma atitude progressista e aberta, onde há clara consciência de que estudamos artes perigosas, e a brincar com barras de ferro, e que portanto a prioridade deve ser o cuidado e bem-estar mútuo das pessoas que aí estamos.

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A consequência imediata disto é que a gente da sala Pedro del Monte — e, através dela, toda a visitante também — procura praticar uma esgrima altamente técnica, cuidadosa, conservadora da integridade própria, com movimentos controlados e precisos. Uma beleza de ver. Um estilo que, ademais, permite desenvolver ações delicadas, como certo trabalho corpo a corpo, que doutra forma resultariam perigosas demais; ou trabalhar com um sistema de proteções mínimo, em benefício da destreza (e para alívio do calor, que lá não falta).

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Tivemos oportunidade de gozar desta experiência, em condições privilegiadas, a manhã da sexta feira, off-event, na própria sala física de Pedro e os seus camaradas — e qué sala! Que inveja poder contar com um espaço assim! –, fazendo uma sessão de trabalho e posta em comum, e uns assaltos livres. Já na tarde fomos atender as conferências, das que vou assinalar a de Manuel ValleOrtiz, diretor da AGEA Editora, porque o resto delas foram ministradas polos mesmos nomes que os obradoiros do sábado.

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Já o sábado, metidos nos workshops: a aula do Federico Malagutti – Martial Artist, Fencer, YouTuber resultou uma experiência educativa. Não atendemos, mas falam-nos muito bem do seminário de Gala MolBal — sim fomos testemunhos da destreza (e Destreza) que despregou nos jogos de armas da noite do sábado, resultando imbatível. A exploração da luta desarmada de Pietro Monte, a cargo do nosso anfitrião Pedro Velasco, foi muito interessante: o corpo humano é igual através dos quilómetros e dos séculos, mas as preferências de cada mestre conformam a arte que se desenvolve. E, obviamente, sempre é um prazer ver a nossa camarada Jessica Gomes, da Velha Guarda Marcial, mostrar o seu domínio do nosso patrimonial jogo do pau galego-português.

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Já nem é necessário falar dos impresentáveis Juan Diego Conde Eguileta e Eduardo Varela, da Asociación Ourensá de Esgrima Antiga e da Academia da Espada – Coruña, respetivamente. Fizeram estragos tanto no dia como na noite, tanto brandindo a espada como fazendo twerking. Se isto é motivo para orgulhar-nos por considerá-los amigos, já é matéria de debate. ?

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Foi grato reencontrar velhas amizades que só podemos ver neste tipo de eventos — da Sala de Armas “Fiore dei Líberi” Vitoria-Gasteiz, ou da Asociación de Esgrima Histórica Ciudad de Ávila — e fazer outras novas. Levamos connosco o entusiasmo da delegação da Terra Umbría, ou a cordialidade da gente de El Arte de la Espada. Fica muita gente por listar, é claro, mas nalgum ponto há que parar.

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Em resumo — «Retorno a la Espada 2023» resultou um evento excelente, e está na nossa agenda para voltar. Ao tempo, o trabalho da sala de armas «Pedro del Monte» pareceu-nos extremamente recomendável, e aguardamos partilhar com ela projetos no futuro.

Venham mais!

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P.S.: Quatro inspeções das forças de ocupação espanholas tivemos que passar. Quatro! Só numa delas nos fizeram deter o carro, entregar os documentos e baixar dele. Quando o agente começa a apalpar as sacas e a perguntar «¿Aqui hay armas?», a resposta de «Sólo espadas, señor agente» foi, tristemente, suficiente. Não pudemos evangelizar a palavra de Liechtenauer como gostaríamos…

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Gritos, estética e esgrima

→ Recentemente comentávamos no grupo de Telegram da AdC um fio de conversa do subreddit r/fencing onde se discutem os berros e o ruído nas competições de esgrima olímpica. O estudantado da Arte do Combate pediu a minha opinião ao respeito, e pensei que estava bem resumir aqui também os pontos daquela conversa para futura referência.

Se ledes o fio de Reddit, veredes que a questão dos berros e do ruído na esgrima olímpica causa problemas. Há gente que se satura rapidamente com espaços ruidosos. Um encontro de esgrima (e de HEMA, mais) já gera muito ruído de seu, com o bater das espadas, movimento de pés, etc. Ademais, tendem a ser em pavilhões com muito eco, amplificando o assunto. Se a isso somamos os berros, pois pior.

Além do ruído de seu, os berros têm para mim o problema que envolvem, direta ou indiretamente, a oponente. No melhor dos casos, é um berro de êxtase ou de frustração se consegues ou falhas em fazer o que pretendias. Isso não é exatamente um ataque pessoal, mas alguma pessoa pode ver-se coibida ou limitada se o interpreta assim.

Até certo ponto é responsabilidade de cada quem interpretar bem o que está a suceder (como o é lidar com espaços ruidosos, se a atividade o demanda). Mas, por outra parte, penso que numa atividade de grupo temos a responsabilidade de tentar criar o melhor ambiente possível para a gente com que partilhamos a atividade — e isso, para mim, implica fazer que se senta confortável.

E já no aspeto estético — eu não gosto. Penso que há uma certa dignidade no que fazemos que está bem manter. Está bem reconhecer os tocados da outra pessoa. Está bem rechaçar os nossos se consideramos que não foram de qualidade. Está bem não explorar uma situação que vai além do contexto do assalto — por exemplo, se algum elemento externo distrai a outra pessoa.

Na mesma linha, acho que está bem não berrar, como norma. Igual que o público dum dos nossos assaltos normalmente não berra animando a qualquer uma das partes, penso que as combatentes tampouco devem berrar.

Há exceções, obviamente. Às vezes uma ação é tão espetacular que o público solta uma ovação, ou mesmo aplaude. Às vezes cagamo-la tanto que é inevitável não soltar uma maldição de frustração. Eu penso que isso tudo é normal, e não se passa nada. O elemento chave é a atitude. O que discute o fio que vos passei é a atitude, mais ou menos dominante nalguns setores da esgrima desportiva atual, de que berrar é parte do desporto.

Eu penso — mas já sabedes que penso isto de muitos aspetos do que fazemos — que essa atitude de berrar é intrínseca ao aspeto competitivo, polo menos tal e conforme entendido hoje em dia. Penso que não podemos ter um circuito regular e consolidado, padronizado e com rankings, e onde eventualmente alguma gente até consiga ser profissional… sem ter gente que berre. Os tenistas berram e rompem raquetas. Os futebolistas berram com os árbitros ou outros futebolistas. Os atletas deixam-se cair de joelhos a chorar se perdem… Isso todo é o que vemos na cultura mediática do desporto de competição atual.

Se levamos a esgrima histórica nessa direção — a do desporto de competição de massas — isso é o que vamos obter. Vai ser quase impossível pretender uma cultura estética divergente da hegemónica.

Portanto, e em resumo:

  • penso que berrar (e fazer ruído, em geral) é pouco respeitoso
  • penso que ademais é pouco estético
  • penso que só se pode evitar via cultura e atitude
  • e penso que essa cultura e atitude alternativas não são compatíveis com a direção que a esgrima olímpica tomou, que parte das HEMA parece querer.

Caveat

Que uma gente queira essa cultura de competição, e eu (e outra gente) queira(mos) outra não é exatamente uma dicotomia. Podem existir ambas. É possível ter eventos de HEMA-desporto onde a gente berre e atue como na esgrima olímpica, e é possível ter em paralelo eventos calmados onde a gente foque na diversão, nos aspetos técnicos e em partilhar a experiência em coletivo.

Há espaço para conviver nas diferentes aproximações. Mas é importante que estabeleçamos as expetativas, nas atividades que organizamos, para que as pessoas que a elas atendam saibam como se comportar nelas, e o que podem aguardar.

 

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Pangur Bán

No século IX, um monge irlandês anónimo escreveu, no mosteiro de Reichenau, um poema ao seu gato branco, Pangur Bán, companheiro nas longas e solitárias horas de trabalho sobre textos que, já na altura, eram antigos e de difícil compreensão.

Segue a transcrição do texto original e uma tradução livre da minha mão:

Messe ocus Pangur Bán,
cechtar nathar fria saindan
bíth a menmasam fri seilgg
mu menma céin im saincheirdd.

Caraimse fos ferr cach clú
oc mu lebran leir ingnu
ni foirmtech frimm Pangur Bán
caraid cesin a maccdán.

Orubiam scél cen scís
innar tegdais ar noendís
taithiunn dichrichide clius
ni fristarddam arnáthius.

Gnáth huaraib ar gressaib gal
glenaid luch inna línsam
os mé dufuit im lín chéin
dliged ndoraid cu ndronchéill.

Fuachaidsem fri frega fál
a rosc anglése comlán
fuachimm chein fri fegi fis
mu rosc reil cesu imdis.

Faelidsem cu ndene dul
hinglen luch inna gerchrub
hi tucu cheist ndoraid ndil
os me chene am faelid.

Cia beimmi amin nach ré,
ni derban cách a chele
maith la cechtar nár a dán,
subaigthius a óenurán.

He fesin as choimsid dáu
in muid dungní cach oenláu
du thabairt doraid du glé
for mu mud cein am messe.

Eu, e mais Pangur o Gato,
trabalhamos de modo grato:
ele, ávido, a caçar os ratos;
eu a escrever em livros raros.

Não há gesta de glória vaidosa
maior que a escrita em verso ou prosa —
mas Pangur Bán não tem inveja:
fica contente com caçar a presa.

E passamos horas, sós na casa
absortos cada um na nossa ânsia:
ele, certeiro, em encher o ventre;
eu, ausente, a nutrir a mente.

Às vezes sucede que desafia um rato
as poutas velozes do meu branco gato.
Nas palavras, nos livros, sucede o mesmo
quando não consigo traduzir um termo.

Descansa a olhada, de momento frustrada,
no oco da parede onde o rato escapara.
E da mesma forma passo a noite a bater
contra velhos textos o meu pouco saber.

Que alegria invade o coração do meu gato
quando a presa sai por fim do buraco!
E igual eu me sinto, orgulhoso e listo,
quando um termo difícil revela o sentido.

E desta forma trabalhamos ambos:
com paciência, em companhia, sem sobressaltos,
cada um envorcado por completo na Arte:
ele na sua, eu na minha parte.

A prática virou Pángur Bán mestre
na arte de caçar roedores silvestres.
Eu ganho, passeninho, maior sabedoria
a trabalhar nos meus textos, noite e dia.

Podes ouvir uma versão (moderna) do poema musicado por Pádraigín Ní Uallacháin, do seu álbume Songs of the Scribe. Há também uma pouca (mais não muita) de informação adicional no artigo correspondente da Wikipédia, incluída uma tradução para o inglês.

 

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Armas, Armaduras e Artes Marciais na Guerra das Rosas

A passada quarta-feira, 5 de outubro, o grupo de investigação Discurso e Identidade convidou-me à faculdade de filologia da USC para ministrar uma palestra em volta da vida e morte de Ricardo III de Plantagenet.

Para não perder: a decoração da mesa, proporcionada pola própria faculdade. 😉

Foi algo mais de duas horas de conversa, com bastante interesse e participação por parte do público. Sempre é grato ter a oportunidade de divulgar o conhecimento especializado entre o público geral, mas ainda tem mais valor a oportunidade de trasladar ao mundo académico as possibilidades do nosso campo.

Eis o vídeo da palestra, quase íntegro:

A petição de pessoas do público deixo cá os diapositivos da apresentação que utilizei:

E fotografias, cortesia do público e da organização:

E, finalmente, a lista de vídeos usados como material de apoio para a técnica:

A experiência completou-se na semana seguinte com umas aulas práticas, onde o estudantado pudo experimentar de primeira mão uns movimentos básicos de espada, e ver ao vivo uns combates de demonstração:

 

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